Karla Mello

Amar pode ser poço... Amar nunca será vão.

.. Escreve a Florbela Espanca .. "Sou talvez a visão que Alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo pra me ver e que nunca na vida me encontrou"
Textos

Dois Fevereiros de Mim
e estive eu a lembrar-me
daquela noite chuvosa de um fevereiro
onde vestia eu um vestido de princesa...
branquinho... tal os sonhos meus.
e passou o trem... o meu trem...
subi apressadamente.
flores e amores nas mãos...
e olores dos canteiros da juventude minha
guardados à apenas a ti.
chovia e flores do céu...
e eras seco...
nem molhavas-te a ti
na chuva que vinha de fora.
nem nas gotas orvalhadas
do meu amor.
mas eu subi no trem...
nas badaladas tantas do sino da igreja.
olhei-me... bela é toda a juventude.
te olhei... te olhei... quase enxerguei.
eu nunca te vi...
nunca saberei se consegui te tocar.
mas sei de mim...
e do meu amor molhado da chuva...
do orvalho das flores que trazia eu nas mãos...
que aromava à sonhos de eternidade.

desequilibrei-me...
e perdi-me ainda de Ti.
e despetalei as flores todas!
desci do trem como uma louca!
prendeu-se o meu vestido
nos tantos tropeços meus.
nos tantos vagões...
nos meus passos vagos...
terminei por rasgar
o alvo vestido em farrapos - de mim.
quebrei o salto dos sapatinhos de cristal.
atirei-os longe...
nem sei onde os perdi.
e tangi os anjos e as borboletas... todos!
e sei apenas dos caminhos que percorri...
descalça...
e é preciso lembrar dos meus pés cortados
e cansados de caminhar por conta própria...
em voltas... à nenhum lugar
que não à mim mesma.
e sei do meu nada...
dos dias vividos sem Ti.
e das noites com medo do escuro.
e das noites com medo do bicho-homem.
e sei das rosas
que não mais ganhei...
nunca mais.
e dos meus (des)aniversários...
da solidão que é viver sem Ti.
e sei do meu declínio...
ingrime... ingrime... veloz.
das minhas perdas.
e das duas mães que se foram:
uma, de morte morrida - outra, de morte matada.
e da dor lacerante e finda
até o momento estanque
do Teu abraço.
e posso ainda eu falar daquele tempo...
um tempo em que eu era cercadinha
com cercas alvas de cuidados ternos...
do lar que formamos.
e risadinhas dos meus "querubins"...
e restinhos de bombons pregados em minha roupa
sempre...
por quatro mãozinhas de mim.
e este tempo é um quadro...
e pendurei-o eu
nas paredes do meu coração.
e hoje este tempo é verso...
que escorre dos meus olhos
e sangram saudades do coração
e escorre pelo meu olhar e mãos
e é o único grito que eu consigo soltar.
no mais... era o nada
sem Ti.

tornei-me num passarinho machucado...
cansado de bater em vidraças.
eu não enxergava as vidraças!
só o que estava para além.
e Tu levaste-me à Tua porta
repleta das Tua flores
e a um semeador cuida(dor)
e é abraço amigo que acolhe-me...
e Tu és tudo.
e fez ele ninho
em meu coração passarinho...
num fevereiro de mim.
e sou Teu passarinho e flor
na hora de partir e sempre...
e nos Teus braços vou
a alçar os Teus vôos
que Tu sonhas para mim.
e Tua sou: complexa e esquisita.
Usa-me para as Tuas coisas
Repouso da Tua paz...
meu Senhor de mim.

.. como é bom olhar para trás e perceber que, em tudo, Tu és e estás ..

Karla Mello

.. repaginando ..
Karla Mello
Enviado por Karla Mello em 05/10/2017
Alterado em 05/10/2017
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